Nas palavras dela, a culpa é
minha. Porque depois do último adeus, do último beijo, me afastei. Diz que
ainda me ama, ainda sonha comigo, ainda pensa, várias vezes, – demasiadas,
segundo ela – em como seriam as nossas vidas se não nos tivéssemos separado. O
que ela não compreende – e é isto que me irrita – é este sorriso e boa
disposição com que disfarço as noites mal dormidas, as greves de fome, os
soluços no peito sempre que vejo as fotos dela com as amigas a beber uns copos.
Nas palavras dela, sou o vilão por ter esquecido tudo aquilo que passámos
juntos. Por não a ter procurado quando ela mais precisava – e ela precisava
sempre. Por sair à noite e não lhe dizer seja o que for. Esqueci-a. Fui eu que
a esqueci e a desliguei num interruptor qualquer. Mas o que ela não entende é
que apesar de sair com os meus amigos, não me esqueço dela. Quando bebo uns
copos faço uma força imensa para não pegar no telemóvel e lhe dizer tudo o que
sinto, todas as saudades que não consigo abafar por mais que tente. Não entende
que preferia estar deitado com ela a ver um filme qualquer – não importa qual –
e a fazer jogos de força com os pés em que nenhum de nós ganha ou perde. O que
ela não entende é que durante todo este tempo, sempre que falava com ela, a
convidava para vir ter comigo, mas ela não tinha tempo. Fazia-me de convidado
para ir ter com ela, mas ela não tinha espaço. Acho que ela não me entende.
Talvez eu não a entenda a ela, também. As coisas são como são, e por vezes os
opostos atraem-se só para se destruírem um ao outro. Imagino que seja esta a
lei fundamental das coisas. Não me vejo como um pobre coitado, que neste
momento está sozinho na ressaca de uma relação. Assim como não me vejo como um
vilão. O que não falta por aí são músicas sobre corações partidos, desgostos de
amor e toda essa panóplia de flagelos amorosos. Mas a vida é mesmo assim: de
tanto ouvirmos a mesma canção acabamos por nos fartar. Resta-nos apenas ter
vontade de mudar e procurar uma canção diferente.
PedRodrigues